domingo, 24 de julho de 2011

Lonjuras e Agruras

Longe. Qual a pior coisa de se estar longe? É a saudade do que está longe? Não é a pior coisa. Pior mesmo é o esquecimento daqueles de lá, que se fiam nos afazeres dos seus próprios lares. É tornar-se simplesmente uma memória longínqua daqueles que antes eram seus e você deles. Sem que se perceba, o espaço aliado ao tempo (poderosos promotores do andamento de todas as coisas, e também do sentimento) devasta os vínculos, como as cáries que corroem os dentes, até fazê-los negros de doença.
Ocorre que, em um dia qualquer, como muitos de outros, acorda-se, e no lampejo de um olho que abre e fecha, encontra-se o peregrino (diz-se daquele que migra e não faz para si um lar) numa pradaria circular e infinita, de horizonte vasto e inatingível. Ele dá passos, jamais vacilantes, que o levam a lugar nenhum, já que a paragens indistinguíveis, pois alternadamente iguais. Estranhamente inexiste ali uma direção já que “o desvio” é uma possibilidade absurda, ignorada. Tal é a liberdade? A ausência da possibilidade de desvio? Também assim é o tédio e o tanto faz? E desses estados todos, a solidão uma condicionante? Desdita solidão, benfazeja liberdade. Nem anjo nem demônio, mas pradaria infinita e uma ovelha – animal coletivo – desgarrada.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

quarta-feira, 13 de julho de 2011


Baubauhaus. Esse é o nome de uma linda, diversificada e colorida galeria virtual. Ela reúne ilustrações, fotografias, tipografias dos mais variados autores (basta clicar nos pôsteres para encontra-los). A propósito, o autor da arte acima é Andrei Ograda.
Os organizadores do site, dois romenos, Stefan Lucut e Andrei Don,  explicam o  objetivo do trabalho: promover inspiração e diversão.  Objetivo alcançado!
Segue o link que tanto vale a pena: www.baubauhaus.com

A Montanha Mágica - Anotações


Nos arredores da página 800

 Os personagens da Montanha Mágica não falam  apenas por si. Eles extrapolam  os  limites da narrativa a fim de representar, alegoricamente, a história do pensamento ocidental.  Não é por acaso que o engenheiro é alemão, o humanista italiano e a grande personalidade endinheirada e pagã holandesa. Cada personagem é a contribuição cultural de cada Nação para o universo das idéias ocidentais (até meados do século XX).  Por isso mil páginas, que depois dessa conclusão, poderia até se pensar que não são tantas assim.  

A figura estranha, a grande personalidade holandesa Peeperkorn, aparece somente no final do romance quando participa, não dialeticamente, mas somente através da sua presença grandiosa e rude,  de uma das inúmeras, intermináveis e insolúveis contendas de Naphta , o jesuíta , e Setembrinni , o humanista. Por algum motivo misterioso, a presença da grande personalidade, embora idiota, emascula o debate dos pedagogos, mostra sua futilidade. Os gestos do holandês são sensuais , lembrando uma dança pagã. Hans Castorp observa então, e pela primeira vez,  a  incoerência do discurso dos ilustrados em relação a suas próprias vidas. O humanista italiano em certo momento defende a volúpia, mas a mobília do sótão em que vive é de gosto ascético. O jesuíta fala do amor reliogioso, porém do seu corpo e dos seus gestos não há traços de amor. De modo distinto se passa com a realeza grosseira do holandês. Pois se nele encontra-se ambigüidades, estas são de outra natureza, são “positivas”. Sua personalidade pode até carecer do caráter educador daqueles demagogos, no entanto, isso não impede que venha a ser uma oportunidade para quem busca formação. Como? Um mistério que o herói tem dificuldade em explicar, mas que é sempre atribuído à sua personalidade majestosa: “um zero majestoso”. Assim é descrito Mynheer Peeperkorn. Um sibarita*. E quando a ocasião traz à tona as coisas práticas da vida, a realidade, os dois intelectuais vaidosos tornam-se insignificantes. É o momento em que prepondera o ignorante holandês com seu entendimento tácito sobre as coisas da vida. Ele comanda, ordena e aglomera  todo tipo de gente em torno de si. Além disso, torna-se um ídolo.

Sobre o italiano humanista um fato interessante: ele possui repulsa por tudo o que vem do oriente, e é uma repulsa não de desprezo, mas que se relaciona com o medo pelo que é desconhecido. Representaria assim a aversão que o ocidente tem pelo oriente?  E não seria assim até hoje, a despeito do processo de globalização (pois esse mundo desconhecido não é suprido simplesmente pela informação) ? Pois quanto incomodo não causa uma mulher que caminha de burca ou de niqab em Paris?


* descubro pelo salvador Houaiss (grande dicionário) que sibarita é aquele dado a indolência e voluptuosidade. Uma referência ao povo Síbaris (?), que tendo sido muito rico (como o holandês da história), era conhecido por regalar-se fartamente, nos prazeres sensuais da carne.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O Golaço de Erika



Pela primeira vez tenho acompanhado o mundial feminino de futebol. E depois do jogo de hoje do Brasil contra a Guiné Equatorial não consigo imaginar nenhuma razão plausível para a competição ser tão negligenciada. Mesmo o futebol sendo o esporte preferido dos brasileiros, não há uma fitinha verde amarela tremulando nas ruas, uma alusão qualquer à competição. No trabalho, nenhum comentário, inclusive daqueles que amam o esporte. Bem na hora do jogo, a televisão ligada mas em um programa qualquer que ninguém nem está muito interessado. Como pode? Não há respostas plausíveis. Agora, plausibilidade para a chapelada da Erika e seu chute certeiro com a bola ainda no ar sobra. Para uns espanta, para outros deleita. De  todo jeito prova a qualidade do futebol das brasileiras. E ainda, que futebol bonito é maravilhoso de se ver sempre, seja na pedalada de um Robinho, seja na de uma Marta.

Sotaques

No último ano, tive oportunidade de conviver com pessoas de diversos cantos do  país: gaúchos, paranaenses, catarinenses, sergipanos, pernambucanos, cearenses, acreanos, cariocas, mineiros, mato-grossenses, paraenses e por aí vai...como o Brasil é grande. É sim senhor! E de toda a troca cultural obtida, uma das mais interessantes foi a da linguagem. Eu como paulista egocêntrica que sou (agora um pouco menos) só fui perceber o impacto de se ter sotaque quando mudei de estado e vim para as bandas do norte. Não tardou para tomar consciência da minha regionalidade. Pois o primeiro acreano a que fui apresentada no trabalho já me despertou para ela: “boa tarrrde” respondeu ele, entre risonho e malicioso. Foi seu primeiro golpe, de muitos outros que adviriam, no meu simpático erre retroflexo. Bem o meu que é tão discreto (embora não tão discreto a ponto de um descendente de cearenses não reconhecer). Pois é. Por sorte naquele momento havia um goiano e uma mato-grossense recém chegados para me defender. Ouvi-los de repente foi um reconforto, um aconchego de mãe, eu e minha linguagem sentimo-nos em casa. Sim, porque o sotaque caipira do interior de São Paulo se confunde com o do norte do Paraná e também com o de boa parte do centro –oeste (não contemos com o distrito federal, lá é um caso a parte).
Como era de se esperar, o ambiente multicultural promoveu saudáveis disputas pelo melhor sotaque. Obviamente, defendi este que faz parte de mim bravamente, do modo que merece. Fiz jus à sua beleza. No entanto, tais ataques também não me impediram de me encantar com a diversidade das outras falas, suas sonoridades distintas,  suas expressões. Afinal, como não achar graça no jeito gaucho de se referir às meninas, suas “gurias”. Ou no modo paranaense de dizer suas crianças, seus “piás” ou “piazinhos”.  Ainda, como não sorrir diante da expressão simpática de uma mineira que veio me perguntar sobre a situação de um caminhão, se o mesmo já havia cruzado a fronteira: “uai, mas o trem ainda não passou?”
Também me diverti com a visita de um amigo de Belém do Pará, que baixou no Acre cheio de “esses” carregados de “xis”, lembrando muito o carioquês. Ao que ele se defendeu: “Não. São os cariocas que falam como a gente”, indignado.
Outra recente descoberta foi a fala catarinense e a naturalidade perfeita com que se conjuga a segunda pessoa do singular: “tu fizeste isso”, “tu falaste que não era assim”. Quando posto na forma escrita pode perder um pouco a graça, mas se transformado em som é lindo, encantador. Entretanto, frisa-se que o encanto se dá pela naturalidade com que é dito, por já se encontrar incorporado na linguagem falada. Coloco eu a segunda pessoa do singular na minha fala e o resultado será catastrófico, pedante que só. Até então, só havia presenciado o tu da boca de amigos cariocas ou gaúchos e sempre fazendo par com a terceira pessoa: “tu fez”.
Quanto aos nordestinos, deles uma boa lição. A de que no nordeste, todos cantam, mas cantam cada um a seu modo. Nada que um ouvido atento e respeitoso não possa distinguir com o tempo. Para o ouvido paulista, por exemplo, a impressão será de que o pernambucano fala de um modo mais “carregado” e cantado que o cearense. A pouca vivência nos faz confundir tudo. E se eles se “avexam”, se ficam “aperreados” com isso , têm mais é razão. Porque é no mínimo vulgar igualar duas culturas por desconhecê-las, especialmente quando elas estão no mesmo país que o nosso. Tratando-se então da língua portuguesa, essa pela qual nos fazemos todos os dias humanos, a perda é tanto pior.