Ansiedade. É o vazio do agora mais o medo ressabiado do porvir. É aquilo que se quer que aconteça e fique para sempre acontecido. E o que é mais: a luta inglória de um contra o tempo, daquele que, a passos largos, vence sua cadente marcha, em desafino. Quando se avança través, num além de muito ir, por veredas imaginárias (semelhantes a desenhos em nuvens que vento faz, desfaz). Corrida cujo trunfo ao vencedor não passa de um: longa e palpitante espera, pelos que, em uníssono, com a banda vêm. Fica apartado, insone de rubros olhos por um abrir sem tréguas, no aguardo, um homem.
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
O Primeiro Jazz Man
Esta é a primeira parte do documentário de Ken Burns. Para matar a curiosidade das origens do jazz: Buddy Bolden e seu "big four beat".
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Justiça
"O que a lei
não redime
é o crime
com defeito.
Se bem-feito
ou bonito,
o delito
talvez rime
com direito.
Se perfeito,
ora, o crime
é a lei. "
não redime
é o crime
com defeito.
Se bem-feito
ou bonito,
o delito
talvez rime
com direito.
Se perfeito,
ora, o crime
é a lei. "
Eugênio Bucci
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Há uma passagem admiravelmente triste e bela em “Grande Sertão: Veredas” em que os jagunços do bando de Riobaldo, o narrador e personagem principal da história, sofrem terrivelmente porque seus cavalos estão sendo covardemente atacados pelos inimigos.
Eis os dolorosos trechos:
“O senhor escutar e saber – os cavalos em sangue e espuma vermelha, esbarrando uns nos outros, para morrer e não morrer, e o rinchar era um choro alargado, despregado, uma voz deles, que levantava os couros, mesmo uma voz de coisas da gente: os cavalos estavam sofrendo com urgência, eles não entendiam a dôr também. Antes estavam perguntando por piedade.”
“Iam caindo, quase todos, e todos; agora, os de tardar no morrer, rinchavam de dôr – o que era um gemido alto, roncado, de uns como se estivessem falando, de outros zunido estrito nos dentes, ou saído com custo, aquele rincho não respirava, o bicho largando as forças, vinha de apertos, de sufocados.”
“O Fafafa chorava. O João Vaqueiro chorava. Como a gente toda tirava lágrimas. Não se podia ter mão naquela malvadez...”
O que o maravilhoso escritor nos impele a sentir pelos animais, através do lirismo e do abuso da prosopopéia?
Compaixão. Lembrando-nos de que não são seres autômatos. Óbvio? Sim. Mas nos esquecemos disso todos os dias quando os vemos embutidos em embalagens coloridas no supermercado. Por que isso ocorre? Falta ao homem moderno um sentimento ético mínimo no qual o animal que lhe serve de alimento esteja incluído. Se a revolução do capital nos proporcionou inúmeros ganhos – os quais não vêm ao caso apontar – trouxe também como perda – e como maior disfunção - a dessacralização da natureza. O homem passou a figurar como ser superior no céu e na terra, distanciou-se emocionalmente do seu meio-ambiente. Daí a transformação dos animais em meros objetos de consumo, produtos e matérias-primas industriais.
Como atuar no mundo de modo minimizar tal problemática? E que ética seria essa, capaz de nos reaproximar, sentimentalmente, do animal coisificado, erguendo-o novamente ao altar da vida? São questões difíceis de serem respondidas. Tampouco de serem negligenciadas. O gênio do grande autor nos desperta do langor cotidiano para a questão urgente. Quem é responsável sabe.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
The Ska Ep
Embora de 2008, descobri recentemente que Amy Winehouse gravou além dos álbuns "Frank" e o famosíssimo "Back to Black", esse EP com 4 clássicos do ska. É leve , dançante e adoravelmente bom de se ouvir. Ponha para tocar enquanto você descasca uma cebola, arruma a bagunça chata do quarto ou toma cerveja com aquela pessoa que você adora (ela merece!) . ALTAMENTE recomendado.
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
Encontrei Susan Tedeschi e Derek Trucks há dois anos, vagando pela internet. À toa cliquei em um vídeo relacionado no youtube e lá estavam os dois em um ensolarado festival de blues tocando “little by little” (Junior Wells)- aqui .Desde então acumulei alguns dos seus álbuns. Da banda de Trucks destaco o delicioso “Songlines” e de Susan “Back to the River”. Ainda que ambos tenham muito em comum: a guitarra, o blues, e suas próprias vidas (eles são casados), as suas - já longas - carreiras seguiram em separado. Ao menos até este ano, quando o casal resolveu se unir também no trabalho e formar a “Tedeschi Trucks Band” , banda responsável pelo novo álbum – Revelator- página oficial.
Ainda não provei a mistura, mas a suspeita é de que o caldo não entornará. De todo jeito fica a dica para quem gosta de blues (e de repente até para quem não gosta tanto). E não se preocupe: intermináveis e monótonos solos de guitarra não deverão acontecer.
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
A História de Meleléia
No desterro Nhá asseverou: faltou-lhe administrar seus vastos quereres. Por isso Meleléia também quis o sol. Atingiu o apogeu e queimou-se feito Ícaro. Dos deuses a lição de humildade. Meleléia quis muito ser e não sendo como o sol queimou-se dele, da sua quentura. Restou a cantiga do povo do vilarejo, que sem ninguém dizer aprende, só se vendo basta.
Essa mulher foi cordata
Foi boa, estouvada
Fincada de brio
Agora é bravata
no curso da estrada
de farto extravio
Meleléia coitada
Que fora cordata
Em tempo bravio
Agora é maçada
De parca ossada
Que nem um pavio
Fizeram a Meleléia prece, arredondaram trato: Meleléia voltasse, dariam pato, gazela e corça para assar em festa. Noite e dia vem e passa, todo burgo na janela, a vislumbrar de sombra e vulto, em sentinela.
Mas só quinquilharia vem: vendedor de panela velha, burro de carga sofredor e cão de sarna em treva. Meleléia embaça. Esperança estremece a quem carece de santo.
Sofre o burgo todo. E se repete o canto.
domingo, 7 de agosto de 2011
Almas Frívolas
Tenho internet, ipod, máquina fotográfica, notebook, roupa suficiente para me vestir por semanas, não poupo com viagens e livros. Ainda assim, algumas pessoas enxergam certa austeridade no meu estilo de vida (seja por não ter carro, televisão ou um guarda-roupa imenso). Nesses momentos, paro para refletir se algo me falta, se realmente me acostumei com pouco e no fim , a conclusão é sempre a mesma: a de que tenho até excesso de coisas. Para que tanto?
O que ocorre , a meu ver, é um excesso frívolo na nossa sociedade. Vigora o valor - deturpado- de que precisamos de muitos e muitos objetos de consumo para ficarmos bem . O cotidiano me mostra ( e banaliza) situações que consternam: pessoas desesperadas por uma espécie caríssima de celular ou por um tablet (muitas vezes de quem nem gosta tanto de ler).
O que ocorre , a meu ver, é um excesso frívolo na nossa sociedade. Vigora o valor - deturpado- de que precisamos de muitos e muitos objetos de consumo para ficarmos bem . O cotidiano me mostra ( e banaliza) situações que consternam: pessoas desesperadas por uma espécie caríssima de celular ou por um tablet (muitas vezes de quem nem gosta tanto de ler).
Nessas ocasiões, de constatação desses excessos frívolos, até simpatizo com os monges e suas vidas de clausura e sacrifício. Fico imaginando o desprezo que devem sentir da fútil e infantil “bourgeoisie”. Medrosa de perder suas coisinhas, fraca o bastante para ser incapaz de silenciar o demônio que surge quando estamos sós. Da sua ética e moral tacanhas, seus valores frágeis. Da sua crença ingênua na ciência e na imprensa, essas inabaláveis fontes “da verdade”. Da cega histeria materialista , completamente absurda, capaz de abalar milhares em fila por causa de uma bugiganga eletrônica qualquer. Da sua assustadora volubilidade de hábitos e costumes, ao sabor dos ventos, da voga (vaga voga). Dos seus ídolos “big brothers”. Da ausência do sagrado em suas vidas. Do seu forçado descaso frente àquilo que realmente interessa, que é mais difícil porém compensador, enfim, ao que de fato tange a humanidade: a natureza, a morte, a política, o desejo, o amor, a arte, o nascer, o renascer – a ressurreição- , a fraternidade, o trabalho, deus (mas não como o papai do céu, por favor). Só querem é “desrefletir” o máximo que podem para matar o tempo (são tantas as ferramentas: TV, internet, vídeo-game, prozac, cachaça, compras...) como adolescentes pervertidos. Que mais achariam os monges dessa esplêndida disneylândia, repleta de mickeys e patetas, senão como sendo obra do coisa-ruim, do capiroto? De quem mais? Haja reza brava para que se salvem.
PS ; Para perder um pouco da visão distorcida que a cultura “bourgeois” incutiu em todos nós, ao menos acerca da clausura monástica e seu gosto frugal, vale a pena ver o filme do diretor francês Xavier Beauvois, “Dos Homens e dos Deuses" (cena acima).
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Pato Real
Conta Jonathan Franzem, na sua obra memorialista, “The Discomfort Zone”, que irrompeu em lágrimas ao visar um casal de patos reais em uma lagoa no Central Park. A cena dramática é explicada por uma frustração amorosa que o escritor havia acabado de enfrentar. Quem já viu a docilidade dessas aves juntas é capaz de entender o desconforto que ele deve ter sentido, ao deparar naquela imagem, ele mesmo e seu par ausente.
A primeira vez que eu vi um casal desses patos – nadando em uma lagoa em Potsdam – soube que passavam toda a vida juntos. Depois, pesquisando melhor, descobri que não é bem assim: o macho acompanha a fêmea até que ela ponha seus ovos, quando então, tem de cuidar dos filhotes sozinha. Para os amantes tanto faz. Tal fato não detona a força simbólica que, de repente, a natureza proporciona ao homem citadino que caminha pelo parque. A beleza do nado acompanhado dessas aves, o cuidado para com suas trajetórias, para que convirjam, é poderoso o suficiente para servir de temerário espelho a quem as vislumbra.
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