sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Pão de açúcar: lugar de gente feliz

É provável que uma porcentagem bem alta de brasileiros já tenha presenciado ou participado de práticas racistas ao longo da vida. É provável também que a maior parte deles nem se dêem conta disso. Recentemente, enquanto fazia compras em uma unidade da rede de supermercados Pão de Açúcar, ouvi (a contragosto é verdade) um diálogo de teor racista e particularmente desagradável. Minha aversão resultou não só do conteúdo deplorável, como também do tom ameno e alegre com que a conversa se desenrolou, em meio a uma degustação promocional de vinho. A violência, quando acompanhada de alegria e descontração se torna ainda mais grotesca porque evidencia o júbilo do agressor. Stanley Kubrick choca tanto em Laranja Mecânica porque mostra exatamente essa espécie de comportamento. Afinal, quem esquecerá a cena de Alexander DeLarge espancando e cantando Singin` in the Rain ?
Não creio, é claro, que os interlocutores em questão tenham sentido o prazer maligno do personagem de Kubrick. No entanto, o assunto racista da conversa (pesado) foi recebido tão naturalmente a ponto de ser incapaz de perturbar a atmosfera leve dos sorrisos e das amabilidades, a brandura. As  protagonistas, duas mulheres – uma cliente idosa e outra funcionária jovem – revelam o aspecto difuso do preconceito, que não se restringe a uma determinada classe ou geração.
O diálogo que ouvi não é um caso isolado. Sua insensibilidade mostra a face perversa do Brasil racista. Mostra também o quão prejudicial se torna um problema social quando o mesmo é negado, disfarçado através de palavras eufêmicas como “gente de cor”, “colaborador” (trabalhadores braçais da indústria), “secretária do lar”( empregadas domésticas) , expressões tão em voga e que vieram a calhar com o sentimento conflituoso de culpa e egoísmo das classes média e alta brasileiras. Eufemismos que reforçam o estado letárgico e conformista das suas vítimas.
O cuidado com as palavras é importante. Não acredito que ações e atitudes democráticas, o respeito e a civilidade em uma sociedade, possam surgir sem que passem antes pela linguagem (ou pensamento).
A palavra escrita tem um poder maior de nos fazer refletir e trazer à tona o absurdo do real. Assim, transcrevo o que ouvi na tentativa de evidenciar o grotesco que o cotidiano pretende sempre ocultar.

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Funcionária: uma vez namorei um homem “de cor” e minha mãe não gostou.
Senhora: ah ela ia gostar da minha terra, lá no sul. Só tem gente branquinha.
Funcionária: é que somos descendentes de portugueses.
Senhora: é, português não gosta mesmo. Mas agora as moças estão melhorando com essa coisa de alisar o cabelo.
Funcionária: as mulheres não gostam tanto dos homens, mas o estranho é que eles adoram uma mulata né...
Senhora: sabe o que é menina? É que quando os portugueses vieram ao Brasil só tinha mulata e índia. Aí tiveram que ficar com elas mesmo, não tiveram opção.

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