quarta-feira, 13 de julho de 2011

A Montanha Mágica - Anotações


Nos arredores da página 800

 Os personagens da Montanha Mágica não falam  apenas por si. Eles extrapolam  os  limites da narrativa a fim de representar, alegoricamente, a história do pensamento ocidental.  Não é por acaso que o engenheiro é alemão, o humanista italiano e a grande personalidade endinheirada e pagã holandesa. Cada personagem é a contribuição cultural de cada Nação para o universo das idéias ocidentais (até meados do século XX).  Por isso mil páginas, que depois dessa conclusão, poderia até se pensar que não são tantas assim.  

A figura estranha, a grande personalidade holandesa Peeperkorn, aparece somente no final do romance quando participa, não dialeticamente, mas somente através da sua presença grandiosa e rude,  de uma das inúmeras, intermináveis e insolúveis contendas de Naphta , o jesuíta , e Setembrinni , o humanista. Por algum motivo misterioso, a presença da grande personalidade, embora idiota, emascula o debate dos pedagogos, mostra sua futilidade. Os gestos do holandês são sensuais , lembrando uma dança pagã. Hans Castorp observa então, e pela primeira vez,  a  incoerência do discurso dos ilustrados em relação a suas próprias vidas. O humanista italiano em certo momento defende a volúpia, mas a mobília do sótão em que vive é de gosto ascético. O jesuíta fala do amor reliogioso, porém do seu corpo e dos seus gestos não há traços de amor. De modo distinto se passa com a realeza grosseira do holandês. Pois se nele encontra-se ambigüidades, estas são de outra natureza, são “positivas”. Sua personalidade pode até carecer do caráter educador daqueles demagogos, no entanto, isso não impede que venha a ser uma oportunidade para quem busca formação. Como? Um mistério que o herói tem dificuldade em explicar, mas que é sempre atribuído à sua personalidade majestosa: “um zero majestoso”. Assim é descrito Mynheer Peeperkorn. Um sibarita*. E quando a ocasião traz à tona as coisas práticas da vida, a realidade, os dois intelectuais vaidosos tornam-se insignificantes. É o momento em que prepondera o ignorante holandês com seu entendimento tácito sobre as coisas da vida. Ele comanda, ordena e aglomera  todo tipo de gente em torno de si. Além disso, torna-se um ídolo.

Sobre o italiano humanista um fato interessante: ele possui repulsa por tudo o que vem do oriente, e é uma repulsa não de desprezo, mas que se relaciona com o medo pelo que é desconhecido. Representaria assim a aversão que o ocidente tem pelo oriente?  E não seria assim até hoje, a despeito do processo de globalização (pois esse mundo desconhecido não é suprido simplesmente pela informação) ? Pois quanto incomodo não causa uma mulher que caminha de burca ou de niqab em Paris?


* descubro pelo salvador Houaiss (grande dicionário) que sibarita é aquele dado a indolência e voluptuosidade. Uma referência ao povo Síbaris (?), que tendo sido muito rico (como o holandês da história), era conhecido por regalar-se fartamente, nos prazeres sensuais da carne.

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