No último ano, tive oportunidade de conviver com pessoas de diversos cantos do país: gaúchos, paranaenses, catarinenses, sergipanos, pernambucanos, cearenses, acreanos, cariocas, mineiros, mato-grossenses, paraenses e por aí vai...como o Brasil é grande. É sim senhor! E de toda a troca cultural obtida, uma das mais interessantes foi a da linguagem. Eu como paulista egocêntrica que sou (agora um pouco menos) só fui perceber o impacto de se ter sotaque quando mudei de estado e vim para as bandas do norte. Não tardou para tomar consciência da minha regionalidade. Pois o primeiro acreano a que fui apresentada no trabalho já me despertou para ela: “boa tarrrde” respondeu ele, entre risonho e malicioso. Foi seu primeiro golpe, de muitos outros que adviriam, no meu simpático erre retroflexo. Bem o meu que é tão discreto (embora não tão discreto a ponto de um descendente de cearenses não reconhecer). Pois é. Por sorte naquele momento havia um goiano e uma mato-grossense recém chegados para me defender. Ouvi-los de repente foi um reconforto, um aconchego de mãe, eu e minha linguagem sentimo-nos em casa. Sim, porque o sotaque caipira do interior de São Paulo se confunde com o do norte do Paraná e também com o de boa parte do centro –oeste (não contemos com o distrito federal, lá é um caso a parte).
Como era de se esperar, o ambiente multicultural promoveu saudáveis disputas pelo melhor sotaque. Obviamente, defendi este que faz parte de mim bravamente, do modo que merece. Fiz jus à sua beleza. No entanto, tais ataques também não me impediram de me encantar com a diversidade das outras falas, suas sonoridades distintas, suas expressões. Afinal, como não achar graça no jeito gaucho de se referir às meninas, suas “gurias”. Ou no modo paranaense de dizer suas crianças, seus “piás” ou “piazinhos”. Ainda, como não sorrir diante da expressão simpática de uma mineira que veio me perguntar sobre a situação de um caminhão, se o mesmo já havia cruzado a fronteira: “uai, mas o trem ainda não passou?”
Também me diverti com a visita de um amigo de Belém do Pará, que baixou no Acre cheio de “esses” carregados de “xis”, lembrando muito o carioquês. Ao que ele se defendeu: “Não. São os cariocas que falam como a gente”, indignado.
Outra recente descoberta foi a fala catarinense e a naturalidade perfeita com que se conjuga a segunda pessoa do singular: “tu fizeste isso”, “tu falaste que não era assim”. Quando posto na forma escrita pode perder um pouco a graça, mas se transformado em som é lindo, encantador. Entretanto, frisa-se que o encanto se dá pela naturalidade com que é dito, por já se encontrar incorporado na linguagem falada. Coloco eu a segunda pessoa do singular na minha fala e o resultado será catastrófico, pedante que só. Até então, só havia presenciado o tu da boca de amigos cariocas ou gaúchos e sempre fazendo par com a terceira pessoa: “tu fez”.
Quanto aos nordestinos, deles uma boa lição. A de que no nordeste, todos cantam, mas cantam cada um a seu modo. Nada que um ouvido atento e respeitoso não possa distinguir com o tempo. Para o ouvido paulista, por exemplo, a impressão será de que o pernambucano fala de um modo mais “carregado” e cantado que o cearense. A pouca vivência nos faz confundir tudo. E se eles se “avexam”, se ficam “aperreados” com isso , têm mais é razão. Porque é no mínimo vulgar igualar duas culturas por desconhecê-las, especialmente quando elas estão no mesmo país que o nosso. Tratando-se então da língua portuguesa, essa pela qual nos fazemos todos os dias humanos, a perda é tanto pior.
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