quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Retratos Urbanos

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Na banca de revistas.
Um homem aponta para uma obra de Kafka (Metamorfose) e grita:
___ Do caralho! (sai de cena)
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Numa igreja cheia de turistas.
Guia turistico: para mim viajar é aprender.
Guiado turistico: para mim também ! (balançando a cabecinha de baixo para cima, de cima para baixo)
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No balcão da drogaria, pagando a conta.
Atendente: a senhora QUER ajudar as criancinhas com câncer? (olhar incisivo enquanto aponta uma revista em cima do balcão). É só dois e noventa e nove.
Cliente: não, valeu.

Simião sob os cuidados de Laura

Eu tenho uma razoável noção Laura, de que sou um desgraçado. Passei a vida sendo incapaz de atravessar o olhar de desprezo da minha mãe e suas palavras, o modo como me resumia, ironicamente (logo soube), espírito sensível. Tampouco esqueci seu riso velado diante de cada frustração amorosa minha, que ela descobria secretamente, quando despertava, no meio da noite, para meus passos alternados no escuro. Ela ouvia meus soluços engasgados, incontidos e o silêncio que eu fazia questão de espalhar na manhã seguinte por toda casa, enchendo-a de austeridade. Meus atos severos, minha mãe os decifrava, um a um, transformando-os em sombras. Quando ela por fim morreu, achei que fosse me livrar delas. Ao contrário, se agravaram, agora rodeadas de culpas e outras tristezas de mesma natureza. Não. Você deve saber que não a condeno. Eu, apenas eu, é que sou um torpe humilhado, um parvo. Pobre de minha mãe, eu a maltratei em vão. Você pergunta de mulheres. Nunca pude ter uma que prestasse minimamente, digo, que fosse bonita. As putas não contam, elas  me deprimem a ponto de não mais querê-las. Porque mostram que sou incapaz com as outras, as santas. Nunca fui capaz de fazer uma santa gozar Laura.
Inteligência até tenho, mas tenho também indolência, que para piorar, me estimula a vícios. Não fosse isso poderia ter tido certa riqueza, ou ainda, quem sabe, sido doutor respeitado, escrito livro, construído edifícios, casas, grandes obras, viadutos. Teria produzido, quem sabe.
É. Nem preciso dizer o quanto me custou chegar até aqui: conclusões. Dizia a mim mesmo que era homem nascido para questões maiores, um artista de espírito sensível, afinal. Repetia minha mãe, repetia. E a repito, confesso, para alguns até hoje, mas de forma consciente, e somente àqueles poucos que ainda tento conquistar, quando por vezes, um resquício de pudor me sobra. Com você é diferente Laura. É minha enfermeira e a pago bem, o suficiente para que ouça minhas verdades vulgares - toda verdade é vulgar?. E a mais vulgar de todas elas, que é: desisti de ter dinheiro, liberdade, esposa, filhos e dignidade. Desisti de uma vida que não fosse esta mediocridade pelo mesmo motivo que deixo minha louça por lavar: preguiça. Repugno-a?

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A Publicação

Um funcionário do Estado aguardava a publicação, na imprensa oficial, das suas férias. Deveria ter saído no diário da Sexta porque elas se iniciariam na Segunda. Assim, a primeira coisa que ele fez pela manhã foi ligar o computador para procurá-la. Nada constava. Por isso que, no final da tarde, quando seus colegas lhe deram votos cordiais (pouca chuva, mulheres e até, quem sabe, uma namorada - afinal estava na hora), respondeu a todos com um sorriso atravessado, de gente ressabiada.
Passou o final de semana tentando não pensar muito no assunto, dizendo para si mesmo que na Segunda a publicação estaria ali sem falta, quando então poderia viajar tranqüilo para o Rio de Janeiro. Mas a Segunda veio sem portaria alguma. Decidiu então retornar ao trabalho, ainda que previsse a reprovação de todos: não esquenta cara, relaxa, sua portaria vai sair com data retroativa, deixa de ser noiado. Ou: que tu faz aqui meu irmão? .
Mas este funcionário era do tipo que só acredita vendo, um São Tomé.  Cauteloso, preferiu incorrer no erro de trabalhar nas férias a surpreender-se posteriormente com tenebrosos descontos no holerite. Ou de repente até coisa pior, como o caso da senhora dos contratos.  A pobre coitada, crendo estar de férias, viajou para o Caribe retornando só no trigésimo primeiro dia, quando recebeu a notícia de que, sua portaria nunca fora publicada. No entanto, a de exoneração já estava ali quente, e não só isso, voando de boca em boca, através dos sóbrios corredores do antigo prédio do governo. Exonerada por faltas! Ela que em vinte anos de carreira pública não possuía sequer uma ausência injustificada no seu currículo. Não, era arriscado demais. Este funcionário sabia e temia a máxima administração burocrática: o que não está no papel, não existe no mundo. Por isso ficaria ali, ainda que não trabalhasse de fato, fazendo-se presente e o principal: batendo o cartão nos estritos horários de entrada e saída. Até seu chefe foi ter com ele, se explicar, dizendo que tudo estava arranjado, que aquilo era uma mera formalidade desimportante. E não é que não acreditasse naquelas palavras, mas na prática, de nada valiam. 
Sua espera angustiada, no entanto, foi breve. Pois já no terceiro dia, encontrou seu nome publicado no Diário Oficial, bem ali, na página 30 , seção 8 do caderno II:
  
 Portaria 39/11

Autoriza, nos termos do art 89, I, item 2 da LC 29/69, que Este Funcionário, matrícula 89073, coma o cu do Senhor Diretor de Assuntos Gerais, no período de 11-10-99 a 05-11-99, sem prejuízo de seu vencimento e demais benefícios decorrentes da sua função gratificada e desde que não haja quaisquer ônus ao Estado
  
Saiu! Finalmente essa merda saiu! gritou a todos enquanto arrumava a mochila para ir embora. Agora eu vou! 
Vá em paz querido! Mas vá logo que já se passaram três dias. E aproveite muito.

Isadora entrecortada

Lá, sentada numa banqueta, num bar escuro, Isadora suspira de cansaço.  Feixes de luzes multicores recortam o ar, fazem retratos revelando rostos dantes perdidos no breu: risos falsos, maquiagens borradas, olhares fatais.  Na mão, um drinque colorido: água parada por lesa que Isadora esta, de tanto beber já não consegue mais. Do seu lado uma mulher fala de substâncias da vida: todas suas verdades maiores, ignoradas. Depois sobre paragens além mar, as bonitezas que o de longe proporciona, sempre mais vastas. De tanto e tanto que se diz pouco são essências aproveitáveis. Suas palavras voam o espaço e se perdem nele, letras esparsas no ar - redemoinhos. Isadora se dispersa e fixa o olhar no lóbulo daquela orelha, donde pende uma pedra muito lisa, escorregadia, purpúrea. O adorno realiza movimentos regulares de relógio, marca o tempo da música que se espalha no salão.  Detém por minutos sua atenção ali, na pedra brilhante e nua que existe fixa, sem alma. Rocha sólida cuja dança é o vai-vem, vem-vai cadenciado. Depois volta-se para o pescoço, fita-o branco, redondo, este que devia ser macio como uma almofada nova. Quer tocá-lo com a boca, sentir sua textura quente. Impulso inconteste que a natureza cria para que a vida se logre arrependida, de saudade basta, às vezes. A mulher puxa a banqueta e se aproxima para que Isadora a ouça melhor. Ela aproveita e se aproxima também, curva a cabeça sob o pretexto de escutá-la. Agora que está bem próxima do seu objeto de desejo Isadora adverte-se, teme. Raciocina. Avança centímetros em seguida atrasa. Titubeia infinitamente num impasse repleto de quês maiores: Que? e Quê? os Quês?. Isadora no meio do caminho, paralisada feito pedra que medusa faz. Isadora entende e não entende. Permanece.


terça-feira, 4 de outubro de 2011


Pichação bem humorada na  Domingos de Moraes - Vila Mariana

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O cardápio de Guilherme - ouvindo conversa alheia

O ônibus percorre a marginal Tietê. Dentro dele um celular toca, atende um homem de boné, camisa azul, jaqueta: paris? Não, a paris é bem gostosa mas é feia. Pode ser a mediterrânea. Quero que você tire uma foto bem grande dela e coloque perto da porta de entrada. A gueixa é super fotogênica, ela também. A espanhola? Ah..não sei cara , para mim parecia que tinha melhores, é comunzona né, queria algo mais excêntrico. Isso, oriental, russa, ou turca talvez...veja o que dá. O Guilherme quer variedade, cor. 
Risoto de camarão, frutos do mar, a salada não precisa de muitas folhas. Não, melhor filé mignon. Tá ok, para essa semana ainda. Certo. (desliga)