quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Simião sob os cuidados de Laura

Eu tenho uma razoável noção Laura, de que sou um desgraçado. Passei a vida sendo incapaz de atravessar o olhar de desprezo da minha mãe e suas palavras, o modo como me resumia, ironicamente (logo soube), espírito sensível. Tampouco esqueci seu riso velado diante de cada frustração amorosa minha, que ela descobria secretamente, quando despertava, no meio da noite, para meus passos alternados no escuro. Ela ouvia meus soluços engasgados, incontidos e o silêncio que eu fazia questão de espalhar na manhã seguinte por toda casa, enchendo-a de austeridade. Meus atos severos, minha mãe os decifrava, um a um, transformando-os em sombras. Quando ela por fim morreu, achei que fosse me livrar delas. Ao contrário, se agravaram, agora rodeadas de culpas e outras tristezas de mesma natureza. Não. Você deve saber que não a condeno. Eu, apenas eu, é que sou um torpe humilhado, um parvo. Pobre de minha mãe, eu a maltratei em vão. Você pergunta de mulheres. Nunca pude ter uma que prestasse minimamente, digo, que fosse bonita. As putas não contam, elas  me deprimem a ponto de não mais querê-las. Porque mostram que sou incapaz com as outras, as santas. Nunca fui capaz de fazer uma santa gozar Laura.
Inteligência até tenho, mas tenho também indolência, que para piorar, me estimula a vícios. Não fosse isso poderia ter tido certa riqueza, ou ainda, quem sabe, sido doutor respeitado, escrito livro, construído edifícios, casas, grandes obras, viadutos. Teria produzido, quem sabe.
É. Nem preciso dizer o quanto me custou chegar até aqui: conclusões. Dizia a mim mesmo que era homem nascido para questões maiores, um artista de espírito sensível, afinal. Repetia minha mãe, repetia. E a repito, confesso, para alguns até hoje, mas de forma consciente, e somente àqueles poucos que ainda tento conquistar, quando por vezes, um resquício de pudor me sobra. Com você é diferente Laura. É minha enfermeira e a pago bem, o suficiente para que ouça minhas verdades vulgares - toda verdade é vulgar?. E a mais vulgar de todas elas, que é: desisti de ter dinheiro, liberdade, esposa, filhos e dignidade. Desisti de uma vida que não fosse esta mediocridade pelo mesmo motivo que deixo minha louça por lavar: preguiça. Repugno-a?

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