Há uma passagem admiravelmente triste e bela em “Grande Sertão: Veredas” em que os jagunços do bando de Riobaldo, o narrador e personagem principal da história, sofrem terrivelmente porque seus cavalos estão sendo covardemente atacados pelos inimigos.
Eis os dolorosos trechos:
“O senhor escutar e saber – os cavalos em sangue e espuma vermelha, esbarrando uns nos outros, para morrer e não morrer, e o rinchar era um choro alargado, despregado, uma voz deles, que levantava os couros, mesmo uma voz de coisas da gente: os cavalos estavam sofrendo com urgência, eles não entendiam a dôr também. Antes estavam perguntando por piedade.”
“Iam caindo, quase todos, e todos; agora, os de tardar no morrer, rinchavam de dôr – o que era um gemido alto, roncado, de uns como se estivessem falando, de outros zunido estrito nos dentes, ou saído com custo, aquele rincho não respirava, o bicho largando as forças, vinha de apertos, de sufocados.”
“O Fafafa chorava. O João Vaqueiro chorava. Como a gente toda tirava lágrimas. Não se podia ter mão naquela malvadez...”
O que o maravilhoso escritor nos impele a sentir pelos animais, através do lirismo e do abuso da prosopopéia?
Compaixão. Lembrando-nos de que não são seres autômatos. Óbvio? Sim. Mas nos esquecemos disso todos os dias quando os vemos embutidos em embalagens coloridas no supermercado. Por que isso ocorre? Falta ao homem moderno um sentimento ético mínimo no qual o animal que lhe serve de alimento esteja incluído. Se a revolução do capital nos proporcionou inúmeros ganhos – os quais não vêm ao caso apontar – trouxe também como perda – e como maior disfunção - a dessacralização da natureza. O homem passou a figurar como ser superior no céu e na terra, distanciou-se emocionalmente do seu meio-ambiente. Daí a transformação dos animais em meros objetos de consumo, produtos e matérias-primas industriais.
Como atuar no mundo de modo minimizar tal problemática? E que ética seria essa, capaz de nos reaproximar, sentimentalmente, do animal coisificado, erguendo-o novamente ao altar da vida? São questões difíceis de serem respondidas. Tampouco de serem negligenciadas. O gênio do grande autor nos desperta do langor cotidiano para a questão urgente. Quem é responsável sabe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário