terça-feira, 27 de setembro de 2011

Pisco e Isabel Allende


Recebi um jornalzinho local, do estilo “Metro”, para ler no vôo de quarenta minutos da Star Peru, que separa as cidades de Puerto Maldonado e Cusco.  Quase nada me chamou atenção nele a não ser uma manchete popularesca sobre Isabel Allende: “Escritora chilena mente!” .  Ah? Fui com sede ao pote em busca de uma baita fofoca literária e nada. A indignação  residia numa declaração banal sobre a origem da tradicional bebida peruana, o pisco, que segundo ela na realidade é chilena. Revolta da imprensa peruana e de quem vive lá do turismo gastronômico. Tanto faz, pensei. No entanto, a noticia teve o mérito de aguçar minha curiosidade acerca desta consagrada escritora, e a lembrança de que nunca havia lido nenhuma de suas obras. 
Aproveitei uma manhã livre, quando meus companheiros de viagem ainda dormiam no hotel, para visitar uma livraria na bela cidade inca . Surpreendi com o fato dela conter muito mais de Paulo Coelho que de  Mario Vargas Llosa. Depois veio a dica, é porque Cusco é uma cidade mística. Ah, boa.
Mas voltando a Allende, encontrei lá uma edição espanhola de bolso: da Debolsillo (foto acima). Barata e bonita. Escolhi “De amor y de sombra”, por ser uma das suas obras mais famosas, pela sua representatividade. Além do título bonito, atraente.
Agora impressões: Isabel Allende, como o pisco, tem origem dupla: nascida em Lima, naturalizada chilena. Sua obra, doce como a bebida, como ela também nos aparta da realidade somando pouco. Distrai, diverte e basta. Leitura fácil de férias descompromissada. Isso porque a caracterização dos personagens fica rasa como são rasos e fáceis os clichês: a heroína jornalista, forte e doce, de intenções nobres,  apaixonada pelo bom, justo e pobre fotógrafo comunista. O militar homofóbico, atlético e tradicional. O cabelereiro gay , elegante e rico. A dicotomia óbvia entre ditadura e comunismo - bem e mal. De repente um poema de Neruda aparece- era o que faltava. Óbvio... Assim como “A Casa dos Espíritos”, possui bons ingredientes para filme de sucesso. Mas não muito mais que isso: entretenimento. Caso não seja esse estritamente o foco do leitor e se, como agravante, tiver pouco tempo não arrisque: fique com os gigantes: Dostoiévski, Guimarães Rosa, Thomas Mann. E afins.


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